Assistimos hoje uma revolução digital em que assumem preponderância a internet, o cloud computing e consequentemente, novas formas de prestar trabalho – o trabalho digital na economia colaborativa. Exercido através de plataformas digitais, originou um novo tipo de trabalhador e de relação laboral, com o tempo e o espaço de trabalho redimensionados, o que, indubitavelmente, redefiniu o tradicional conceito de subordinação jurídica.
Em Portugal, o trabalho nas plataformas digitais não se mostrava, até à pandemia Covid-19, tão presente no nosso ordenamento jurídico comparativamente a outros Estados. Desde então, o cenário mudou radicalmente. Se, para uns, o trabalho em plataformas digitais foi a alternativa para a sobrevivência, para outros, permitiu aceder a bens de primeira necessidade, sem sair de casa, de forma rápida e simples. Há hoje todo um universo de trabalho que surge na sequência do fenómeno da sharing economy, potenciado pela pandemia Covid-19, que veio ampliar o objeto de atividade a vários setores, designadamente serviços de entrega, serviços de limpeza e de pequenas reparações, serviços de educação e até mesmo cuidado de animais.
Se há vantagens inegáveis, não se podem refutar também as problemáticas associadas ao trabalho nas plataformas digitais. Uma das questões suscitadas era a da qualificação do vínculo contratual destes prestadores, isto é, se são meros prestadores de serviços, trabalhadores subordinados ou figuras que se situam entre um e outro. Ora, o nosso ordenamento jurídico não provia resposta clarificadora. A Lei 45/2018, de 10 de agosto, a designada Lei TVDE, é de aplicação restrita à atividade de transporte individual e remunerado de passageiros em veículo descaraterizado, via plataforma eletrónica, porém, o trabalho nas plataformas abrange um universo muito mais amplo.
A lei 7/2009, de 12 de fevereiro, que aprovou a revisão do Código do Trabalho, consagrou a presunção legal de contrato de trabalho no art.º 12º do Código do Trabalho, porém, a ratio legis desta norma era o designado trabalho tradicional, pelo que se mostrava desadequada à nova realidade laboral. Defendia-se, então, uma de duas vias de soluções: a atualização dos indícios de presunção de laboralidade do art.º 12º do Código do Trabalho, ou uma solução legislativa inovadora e especialmente orientada para o trabalho nas plataformas digitais. Esta foi uma das preocupações no âmbito da Agenda do Trabalho Digno, refletida na Lei 13/2023, de 3 de abril, a qual veio aditar o Artigo 12º - A ao Código do Trabalho, sob a epígrafe “Presunção de Contrato de Trabalho no âmbito da Plataforma Digital”.
Sumariamente, apesar de extensa e complexa, a norma vem estabelecer uma presunção de laboralidade entre a plataforma digital e o prestador de atividade que opera no âmbito da plataforma, deixando de se aplicar a presunção à figura do intermediário, ainda que a plataforma possa invocar que a atividade é prestada perante o mesmo. Nesse caso, a norma não foi além de estabelecer que caberá ao tribunal a determinação da entidade empregadora. Fica agora, também, estabelecido de forma inequívoca, que esta norma é aplicável às atividades no âmbito das plataformas TVDE a que se refere a Lei 45/2018, de 10 de agosto. De relevo é também o facto de, em caso de presunção de contrato de trabalho, ser aplicável à relação entre o trabalhador e a plataforma legal as disposições do Código do Trabalho compatíveis com a atividade desenvolvida, como sejam as relativas a cessação do contrato, proibição de despedimento sem justa causa, retribuição mínima mensal, férias, limites de período normal de trabalho ou mesmo acidentes de trabalho.
Com a opção legislativa manifestada no art.º 12º-A e a presunção aí prescrita, Portugal torna-se o primeiro ordenamento jurídico europeu a consagrar uma presunção de laboralidade desta amplitude. Destarte, constata-se que a solução do legislador foi muito positiva e que, se não a curto, pelo menos a médio prazo, originará uma alteração mais profunda à lei laboral nacional, porventura, com a inclusão de capítulo próprio no Código do Trabalho dedicado às novas formas de prestar trabalho na economia colaborativa.