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Publicado em: 21 Agosto 2019

Meritocracia versus legislação laboral

Artigo de opinião de Sérgio Tomás, coordenador do CTeSP em Serviços Jurídicos da ESTG, escola de Tecnologia e Gestão do P.PORTO.

O habitual intercâmbio entre cargos de responsabilidade política elevada e postos de trabalho, em empresas e entidades públicas e privadas, com remunerações quase insultuosas face ao rendimento médio nacional, é naturalmente mal recebido junto dos portugueses mais atentos, principalmente quando dissociado do mérito ou de currículo que o justifique.

O contexto económico atual de baixos salários e as taxas de desemprego, historicamente elevadas, terminam por agudizar o sentimento da população. Não obstante as altas qualificações de muitos dos nossos jovens, de diplomas em riste, a verdade é que estes, invariavelmente, se deparam perante um beco sem saída, longe da desejável e mais que legítima independência económica e da compensação pelo esforço recentemente realizado.

Analisando o nosso Código do Trabalho e o Regime e Regulamento do Contrato de Trabalho em Funções Públicas é curioso verificar o carácter quase omissivo à meritocracia e à não instituição desta como um dos valores fundamentais na hora de contratar, sendo possível encontrar três tímidas menções à temática no âmbito da retribuição e nenhuma no que respeita ao acesso ao trabalho, demonstrando claramente que na letra da lei o mérito e o acesso não andam efetivamente de mãos dadas.

A referência ao mérito por parte dos dois diplomas abordados dá assim, incompreensivelmente, o seu derradeiro suspiro e nem mesmo na consagração do direito à igualdade de oportunidades e de tratamento no acesso a emprego e no trabalho, previsto no artigo 24º do Código do Trabalho e no artigo 13º do Regime e Regulamento do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, onde se prevê que nenhum candidato a emprego pode “ser privilegiado, beneficiado (…) ou isento de qualquer dever em razão, nomeadamente, de (…) convicções políticas ou ideológicas”, se encontra regulada a proibição de beneficiar qualquer candidato com base na filiação política (ao contrário do que sucede por exemplo a respeito da filiação sindical).

A legislação em análise muito menos faz qualquer alusão à obrigatoriedade de uma integral adequação do percurso curricular ao cargo a desempenhar, abrindo a caixa de pandora que continuará a legitimar que os responsáveis pelo recrutamento de trabalhadores de empresas públicas e privadas se transformem em pequenas lojas maçónicas ad hoc, onde a “cunha” e o clientelismo, cada vez mais parte integrante do ADN nacional, possam levantar a voz em uníssono em prole de interesses instalados, troca de favores e promiscuidade política.

Urge exigir medidas de salvaguarda que garantam um controle na seleção de trabalhadores para cargos de responsabilidade elevada, devendo evidenciar-se que os candidatos recrutados possuem o perfil mínimo ou reconhecido mérito para a função, principalmente quando as entidades responsáveis pela contratação se alimentam do depauperado orçamento de Estado ou usufruem de créditos bonificados e incentivos fiscais à custa do erário público.

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