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Publicado em: 17 Março 2020

Pode a ciência responder a questões morais?

Artigo de opinião de Gonçalo Figueira, docente da Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Politécnico do Porto.

Nas conversas que tenho com colegas e amigos sobre política, economia ou religião, ouço frequentemente o argumento de que certas questões não podem ser discutidas de uma forma objectiva, pois têm que ver com a subjectividade ou moralidade de cada um.

Mas não haverá morais certas ou erradas? Não poderá a ciência ajudar-nos a determinar a moral que devemos seguir? Essa é a tese de Sam Harris, neurocientista americano, no seu livro The moral landscape, que está na minha opinião brilhantemente articulada, e que contraria curiosamente muitas das perspectivas construídas nas ciências sociais.

Não tendo a pretensão de acrescentar algo novo à sua tese, gostaria de apresentá-la sob a minha perspectiva.

A moral será, segundo os socio-biólogos, um conjunto de regras que usamos para determinar o nosso comportamento em sociedade de forma a prosperarmos. Determinar a moral é resolver um problema de optimização, ou, neste caso, meta-optimização, pois estamos à procura de uma política (as tais regras, a moral), que resultará em prescrições finais sobre o que fazer.

O exemplo mais conhecido é talvez a regra de ouro, que diz que “cada um deve tratar os outros como gostaria que ele próprio fosse tratado”. Mas se a nossa variável de decisão (aquilo que queremos determinar) é a moral, qual a função objectivo (o que queremos maximizar)? A felicidade parece-me um conceito suficientemente geral e abrangente, que deverá ultrapassar o problema do ser / dever ser (lei de Hume), frequentemente apontado como impeditivo para deduzir o que deveria (normas, prescrições) do que é (factos). A grande dificuldade, porém, será medir a felicidade.

Se assumirmos omnisciência (ou o demónio de Laplace, o seu equivalente laico, que vários, incluindo David Wolpert e Josef Rukavicka, argumentaram ser impossível de obter), o mundo incerto/estocástico torna-se determinístico e conseguimos medir a felicidade; o espaço complexo de soluções torna-se inteligível e conseguimos facilmente navegá-lo. Deveríamos obter assim a tal moral landscape que Sam Harris descreve, onde os picos representam pontos de extrema felicidade e os vales representam os mais profundos níveis de sofrimento (i.e., grande infelicidade).

Mas será um pressuposto tão forte como a omnisciência suficiente para responder à questão? O problema parece ainda ser multiobjectivo. Como se maximiza a felicidade de N pessoas? Maximizando o mínimo, a média, a soma?

Apesar de ser complexo, estocástico e multiobjectivo, o problema não deixa de existir. Poderá não haver uma única resposta certa, mas haverá com certeza respostas erradas, as chamadas soluções dominadas. Não conseguiremos neste momento escrever as equações matemáticas que descrevem estes sistemas de forma rigorosa, ou recolher todos os dados de que precisamos com a tecnologia disponível, mas poderemos procurar construir modelos aproximados e conservadores, suficientes para responder com alguma confiança a questões que são, ou deveriam ser, evidentes (como a abolição da escravatura ou da mutilação genital feminina).

Se tudo correr bem, a ciência e a tecnologia deverão conseguir responder a questões cada vez mais complexas.

 

19/02/2020

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