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Publicado em: 19 Novembro 2018

Será o VOLUNTARIADO imprudentemente poético?

Artigo de opinião de Marisa Ferreira, docente da ESTG, na área das Ciências Empresariais.

A essência do voluntariado, eventualmente, reside num estado de défice identificado em determinada dimensão, uma falta que urge preencher em forma de conversa, passeio, recado, balão, bolacha ou sorriso. Na base desta resposta estará uma troca e é exatamente o que me inquieta hoje - este conceito de troca ou de um determinado tipo de troca e se esta deve fazer parte ou não de uma leitura abrangente do que entendemos por voluntariado.

Vivemos num constante movimento, com o wi-fi sempre ligado, mas numa espécie de crise perene e pensar que a realidade continua igual é um comportamento míope e complacente que provavelmente toldará a narrativa que nos rodeia. Paradoxalmente, parece existir uma aproximação da pessoa à sociedade, bem assim como uma mais consciente participação cívica.

O voluntariado sobrevive numa construção reticular, desencadeando ideias que se distanciam ou se fundem, se interligam e resultam em novas extensões de sensibilidades e configurações. Surgem, assim, novos formatos (do qual pode ser exemplo o Workaway, o Wwoof, o HelpX ou o Worldpackers – todas plataformas digitais internacionais que põem em contacto anfitriões e “voluntários”, ou seja plataformas que colocam em contacto pessoas que estão dispostas a trocar umas horas de trabalho por alojamento e por vezes alimentação, dependendo do acordo preestabelecido pelas duas partes) que espelham tendências atuais.

No entanto será que poderemos aqui identificar um lado mais cinzento? Estaremos a ser imprudentemente poéticos ao classificar de “voluntários” estes participantes? Afinal, o voluntariado poderá estar a ser desviado dos seus significados centrais, para se envolver em atividades que se aproximam de um lado comercial /empresarial, eventualmente pernicioso.

Porém, a questão central não será a discussão das vantagens ou desvantagens destas plataformas – muitas /poucas tarefas, diversão, falta de condições, desemprego, férias, trabalho – mas sim pensar no rótulo. Esta experiência, resultado do uso destas plataformas, poderá ser um verdadeiro lugar de encontros, ainda que fugaz, poderá permitir o surgimento de compromissos, desencadeando proximidades e uma espécie de economia colaborativa cujo padrão parece transcender o lucro. No entanto, o comprometimento desinteressado, em que não se espera receber nada em troca, ou se recebe apenas a sensação de bem estar, parece não existir aqui e é por isso que a etiqueta “voluntário” parece ser desajustada e fora de lugar.

Genericamente, estas plataformas parecem ser um novo produto como resposta a uma procura por múltiplas experiências pautadas pela diversidade, a proximidade com determinada comunidade, o enriquecimento como resultado destas conexões e desconexões, um sistema que abstratiza imaginações e aproxima olhares, em que as regras de participação implicam dar e receber, no entanto parece esquecer a desmaterialização da troca, ou pelo menos de um dos lados da troca.

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