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Publicado em: 18 Agosto 2020

UX em tempos de recessão

Artigo de opinião de Carla Carvalho, docente na Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Politécnico do Porto.

Irá a crise económica mundial que se inicia afetar o uso de produtos digitais?

Nos últimos anos temos assistido a significativos avanços no que diz respeito à User Experience (UX) de produtos digitais. O utilizador passou a estar no centro da criação (User-Centered Design) de aplicações móveis, websites, softwares e muitas outras criações tecnológicas, sendo cada vez mais exigente a forma como estes produtos desenvolvem a sua interação. Muitas são as vezes que aplicações veem a sua instalação e uso ficarem aquém do previsto, porque os seus possíveis utilizadores não compreendem como estas devem ser usadas, nem chegam a perceber as funcionalidades que lhe seriam oferecidas. Se o utilizador não compreende como usar, de nada serve todo o investimento tecnológico e em marketing.

Pandemia, Crise Económica e Interação Digital

Com os tempos atuais, em plena pandemia e o início de uma crise económica mundial, surge a questão se todo o investimento e a evolução construída na área da User Experience irá ser afetada. Grandes mudanças estão já a acontecer, com muitas empresas a fechar e outras a reduzir a sua produção e equipas; espera-nos um conjunto de alterações ainda não totalmente previsíveis. Jakob Nielsen, Cientista da Computação e Ph.D. em Interação Homem-Máquina, acredita que mesmo apesar de já se dizer que o mundo pode vir a retroceder economicamente alguns anos e que cerca de 30% das pessoas podem vir a ficar mais pobres, dificilmente tudo isto irá afetar a nossa interação digital, opinião esta com a qual concordo em absoluto.

O retrocesso económico irá impactar a vida de várias famílias e alterar vários comportamentos, contudo não se espera que a perda de poder económico afete a forma como atualmente nos relacionamos com o mundo digital. Inicialmente, o investimento na área da User Experience foi visto como um luxo ou até desnecessário; foi lento o processo de incorporação desta área no ciclo de desenvolvimento de produtos digitais, mas os utilizadores não vão retroceder e deixar de esperar uma boa interação digital apenas porque o seu contexto financeiro foi alterado.

Os utilizadores vão continuar exigentes e atentos à evolução da experiência oferecida no universo digital. O facto de se ficar mais pobre não reduz hábitos de interação, nem cria utilizadores mais permissivos. Adicionalmente, o confinamento a que a pandemia nos obrigou afetou particularmente a faixa etária mais alta, pois é o grupo mais vulnerável ao Covid-19, forçando os mais idosos a permanecer protegidos em casa, longe do convívio social habitual e criando uma barreira ainda maior com o mundo exterior. Este isolamento forçado foi adotado como medida de proteção à sua saúde física, mas pode gerar solidão e afetar a saúde mental. A aproximação dos mais idosos ao mundo digital e às ferramentas online tem-se revelado uma forma eficaz de combate à solidão. Esta aproximação tem ocorrido especialmente no que diz respeito ao uso de ferramentas de comunicação e igualmente no uso de plataformas para compras online; assim, o mundo do design digital, usabilidade e todo o universo da User Experience devem contribuir para minimizar a negligência que muitas vezes existe durante o processo de criação de produtos digitais, sendo urgente o foco nas necessidades deste público em específico.

Compras Online, Videojogos e Streaming

Os tempos de confinamento e a recomendada distância social, fizeram também com que uma parte significativa da população direcionasse a sua atenção para o mundo digital, fazendo disparar por exemplo o número de compras feitas online. Especialmente durante a quarentena, as plataformas de vendas online viram os seus números aumentarem significativamente, tendo sido para muitos negócios a forma de sobrevivência durante o lockdown da economia.

O isolamento resultante da pandemia fez o consumo de serviços de entretenimento por streaming, como a Netflix, e o universo dos videojogos (especialmente jogos para smartphones) beneficiarem de aumentos significativos nos números de utilizadores. Num mercado digital tão concorrente, ter mais utilizadores não significa apenas avaliar os lucros, é necessário dar-lhes atenção e fidelizá-los através da oferta de uma experiência simples e cuidada; devem ser feitos estudos constantes dos seus hábitos e do que os utilizadores realmente precisam. É neste ponto que investir em UX se torna fulcral neste momento, pois com a oferta massiva que existe nesta área hoje em dia, o consumidor facilmente troca um jogo por outro, ou troca de plataforma de compras online simplesmente porque não teve uma boa experiência ou porque teve dificuldade em pesquisar o produto que estava a procurar.

UX e Teletrabalho

Também a nível profissional a pandemia trouxe bastantes desafios na área de UX. Uma grande parte dos trabalhadores viram as suas rotinas de trabalho serem alteradas da noite para o dia e tiveram de se adaptar ao mundo digital, aprendendo a funcionar com as mais variadas ferramentas de apoio ao teletrabalho, como o Zoom, Microsoft Teams, Slack, Skype, Asana, entre outros. Esta viragem forçada trouxe também um maior grau de exigência e expetativas relativamente a essas ferramentas, fazendo com que muitas delas tivessem de rapidamente investir não só no melhoramento dos seus recursos, como especialmente na usabilidade das antigas e novas ofertas. O utilizador não tem tempo, a paciência é desafiada a cada momento, por isso a tecnologia tem pouca margem de manobra para errar, pois a oferta no mercado multiplica-se e erros na comunicação sobre o seu uso podem levar à perda de um número significativo de utilizadores para um concorrente.

Tudo indica que o teletrabalho veio para ficar e mesmo após esta fase de pandemia passar, muitas empresas vão adotar novas formas de trabalho, muito possivelmente combinando o trabalho presencial com o teletrabalho.

O recrutamento deverá também sentir mudanças, colocando-se a opção de teletrabalho com mais frequência e este será cada mais observado como algo natural e até mesmo apresentado aos candidatos como uma regalia no pacote de contratação. Grandes empresas como o Twitter, Facebook e a Google rapidamente colocaram todos os seus funcionários em teletrabalho, anunciando que assim seria até ao final do corrente ano. Recentemente, a Google comunicou que os seus funcionários vão continuar em teletrabalho até julho de 2021 e isto poderá ser um sinal de que a tão falada normalidade não ocorrerá em tempos próximos e que será algo lento e estudado cuidadosamente; a volta aos escritórios físicos será sobretudo lenta para as áreas em que quase todo o trabalho pode ser feito à distância, como é o caso do sector das tecnologias. Assim, o investimento em plataformas colaborativas e outras ferramentas que auxiliem o trabalho a partir de casa continuará a crescer, sendo a usabilidade e toda a experiência do utilizador cruciais para dissipar possíveis barreiras de comunicação e produtividade.

Os tempos são de mudança e a qualidade de vida poderá ficar fortemente afetada, mas o utilizador está a ficar cada vez mais exigente. Assim, não é hora de se retroceder na área da User Experience, mas redirecionar a atenção ainda mais para essa área.

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